O que os índices de REPROVAÇÃO dos DETRANs revelam sobre a formação do condutor no Brasil?
- Ricardo Borges
- 29 de jan. de 2017
- 9 min de leitura
Inicio esse artigo tomando como base de análise o DETRAN do meu Estado. Mas garanto que os argumentos aqui apresentados se aplicam igualmente a outros DETRANs do país.
Em 2015, dos 96.433 exames práticos realizados pelo DETRAN-PI, 60% (57.631) foram reprovações. No mesmo ano foram realizados 38.802 exames teóricos, com índice de reprovação de 25% (9.693). Ao compararmos os números dos dois exames, observamos que o exame teórico representa apenas 40% do total de exames práticos.

A matemática adotada para justificar o índice de aprovação e reprovação dos CFCs (Centros de Formação de Condutores) no Estado, considera apenas o número total de exames realizados. Para um leigo, esse cálculo pode até ser aceitável. Mas para as normas estabelecidas pelo CONTRAN, nada disso faz sentido.
O QUE OS DADOS SOBRE OS EXAMES DO DETRAN REVELAM
O total de exames teóricos é menor que o total de exames práticos porque somente candidatos à primeira habilitação os realizam. Os exames práticos, porém, são realizados tanto por candidatos à primeira habilitação quanto os já habilitados que irão mudar ou incluir uma categoria.
Analisando mais de perto os dados fornecidos pelo DETRAN-PI, fica difícil saber, por exemplo, qual é o gênero, a categoria, o tipo de processo ou faixa de idade de quem mais aprova ou reprova. É difícil também saber o que mais reprova, principalmente no exame prático, onde são cobradas 32 faltas e outras dezenas de infrações de trânsito.
A forma de agrupamento dos dados também não separa o que é primeiro teste de repetições ou retestes. O que dificulta saber o total de tentativas até a aprovação do candidato. Além disso, os dados não apresentam a quantidade de desistências parciais de uma das categorias de habilitação durante o vencimento do processo. Isso acontece quando o candidato à primeira habilitação que opta pelas categorias "A" e "B" acaba por desistir de uma delas, para não perder a validade do processo e ficar com um prejuízo ainda maior. Outros simplesmente desistem de continuar todo o processo, por não terem mais condições financeiras, emocionais ou psicológicas para continuar.
Está ausente ainda, a informação sobre a quantidade de pessoas que perde o processo de habilitação pelo término do prazo de validade. Isso obriga alguns a irem atrás de outros recursos, como o reaproveitamento do processo, que envolve o pagamento de mais taxas ao DETRAN e mais custos com o CFC. Tudo isso impede de julgar e divulgar a real qualidade do ensino aprendizado dos CFCs. O próprio DETRAN fica impossibilitado de pontuar os principais problemas e cobrar os devidos ajustes. Além de interferir no direito de escolha do futuro candidato à habilitação, que fica sem saber qual CFC de fato trabalha melhor e pode oferecer melhores resultados, tanto no aprendizado teórico quanto no prático.
DADOS QUE DEVEM SER COLETADOS PELO DETRAN
A Resolução nº 358 do CONTRAN, artigo 11º, cobra “índices de aprovação de seus candidatos de, no mínimo, 60% (sessenta por cento) nos exames teóricos e práticos, respectivamente, referentes aos 12 (doze) meses anteriores ao mês da renovação do credenciamento”. De acordo com esta Resolução, o cálculo realizado e apresentado pelo DETRAN-PI sempre dará um índice de aprovação deturpado, pois não se considera a quantidade de candidatos atendidos e sim a quantidade total de exames realizados.
Veja o seguinte exemplo. Um CFC que matriculou 360 candidatos nos 12 últimos meses precisaria aprovar, de acordo com a Resolução, no mínimo 216 desses candidatos (60%) para seu recredenciamento. No modelo adotado pelo DETRAN-PI, caso o CFC tenha realizado 830 exames com número de aprovação de 415 (50%), não poderia se credenciar novamente – mesmo tendo aprovado os 216 dos 360 candidatos do ano. Mas e se o CFC aprovasse menos de 60% dos candidatos e mais de 60% na quantidade de exames? De toda forma, a avaliação do índice de aprovação do CFC pela quantidade de exames realizados é incompatível com a exigência do CONTRAN.

POR QUE O DETRAN CALCULA A QUANTIDADE DE EXAMES PARA DETERMINAR O ÍNDICE DE APROVAÇÃO E NÃO A QUANTIDADE DE CANDIDATOS APROVADOS POR TRIMESTRE E 12 ÚLTIMOS MESES ANTES DO RECREDENCIAMENTO DO CFC, COMO DETERMINA O CONTRAN?
O que se pode concluir é que os dados coletados e divulgados pelo DETRAN-PI e por outros DETRANs que seguem o mesmo modelo, além de imprecisos, não contribuem para melhoria do processo de habilitação. Pois mesmo que o órgão exerça o papel de fiscalizador por "estabelecer ações de acompanhamento, controle e avaliação das atividades e dos resultados de cada CFC, de forma sistemática e periódica, emitindo relatórios e oficiando aos responsáveis pelas entidades credenciadas", coisa que raramente faz, pouco poderia oferecer a essas instituições para sua melhoria - Art. 11º, § 1º, da Resolução nº 358 do CONTRAN.
QUAL O CUSTO DA REPROVAÇÃO NO ESTADO
Atualmente é quase impossível saber o quanto custa uma habilitação para um candidato no final do seu processo. Para saber esse valor seria necessário que o DETRAN divulgasse, além da quantidade total de exames dos CFCs, o total de exames médicos, de avaliações psicológicas e o número total de processos de habilitação durante o ano. Mas é pouco provável que o DETRAN, algumas Clínicas e CFCs queiram que isso seja de conhecimento geral.
É possível, porém, saber o valor aproximado dos gastos totais em REPROVAÇÕES aqui no Estado. Se o quantitativo total de reprovações do DETRAN-PI em 2015 foi de 67.324 exames e o valor da taxa de reteste nesse ano era cerca de R$ 48,00, o total arrecadado foi de R$ 3.231.552,00. Mas para refazer o exame prático, o candidato precisou alugar o veículo do CFC*. Sabemos que os candidatos reprovados alugaram 57.631 vezes os veículos de seus respectivos CFCs. O aluguel do veículo varia de R$50 a R$190, dando uma média de R$120,00. Esse valor multiplicado pela quantidade de reprovações resulta em R$ 6.915.720,00. Até aqui já temos R$ 10.147.272,00 ganhos com reprovações.
OS MAIS DE 10 MILHÕES GANHOS COM REPROVAÇÕES EM 2015 PAGARIAM 7.800 CURSOS DE HABILITAÇÃO DE CATEGORIA "B" OU 9.200 DE CATEGORIA "A" COM TODAS OS VALORES E TAXAS COBRADOS!
Se adicionarmos os valores pagos por reprovações nos exames médicos e nas avaliações psicológicas, ultrapassaríamos os 11 milhões de reais. Poderíamos acrescentar também os valores pagos nas aulas extras e reaproveitamentos de processos, mas não temos como mensurar a quantidade total, nem a estimada. O que sabemos é que a reprovação no Piauí faz parte de um mercado milionário, sustentado exclusivamente pelo candidato à habilitação. Tais reprovações não resultam apenas em prejuízos financeiros, mas também em um número cada vez maior de condutores sem habilitação no trânsito.
POR QUE FALAR DISSO É IMPORTANTE?
Nosso Estado possui uma frota de mais de 1 milhão de veículos e menos da metade destes condutores são habilitados. Ou seja, existe um mercado enorme para os CFCs. O que falta então? Condição legal e financeira. De acordo com o IBGE** mais de 1/3 (um terço) da população ou é analfabeta (19%) ou vive em extrema pobreza (20%). Existem tipos diferentes de analfabetismo. O Código, porém, especifica que a pessoa deve saber ler e escrever. Caso contrário, não poderá se habilitar. Quem vive com 1/4 (um quarto) do salário mínimo ou menos, também não pode pagar por uma habilitação.
Apenas 20% das cidades do Estado possuem CFCs, sendo que 50% deles se concentram na capital, o que gera custos com deslocamentos, hospedagem e alimentação de grande parte da população que deseja cumprir o requisito legal de só dirigir habilitado. Tem ainda as fraudes e extorsões. Candidatos são propositadamente reprovados e pressionados psicologicamente a pagarem propina para aprovar, em particular no exame prático.
__________
* Alguns CFCs também cobram para candidatos refazerem reteste do Exame Teórico. Alguns DETRANs proíbem essa prática.
** Dados de 2014.
O QUE MAIS REPROVA NO EXAME PRÁTICO DO DETRAN
Examinadores de trânsito do DETRAN alegam que a maioria dos candidatos vem do CFC sem um preparo adequado para dirigir. A prova disso são reprovações pela soma ou acúmulo de erros básicos como ligar o veículo em marcha, esquecer de descer o freio de mão, engrenar a marcha errada, estacar o veículo e não usar a seta indicadora de direção – além de outros é claro.
Já os instrutores de trânsito sentem-se sufocados por exigências particulares de cada examinador. Cada grupo de examinadores julga coisas iguais de forma diferente. Há situações em que, até entre eles, parece haver discordância. O que um aprova, outro reprova. Outra reclamação da maioria dos instrutores são as constantes atualizações de regras internas do órgão, algumas vezes sem aviso ou preparo.
Outro dia o DETRAN-PI decidiu proibir, sem aviso, o uso de travesseiros no banco do motorista. A alegação era a de que o médico perito deveria exigir a obrigatoriedade do acessório para que o candidato o pudesse utilizar de forma fixa ao banco, como determina o Anexo XV da Resolução nº 267 do CONTRAN. Essa imediata ideia de seguir uma suposta regra do CONTRAN causou a reprovação de mais de uma centena de candidatos no Estado, conforme informado pelo sindicato das autoescolas. O problema não está apenas na interpretação errada, mas na penalidade imposta ao candidato. Nada justifica reprovar o candidato que utilize tal acessório só porque o médico perito deixou de exigir obrigatoriedade. A ironia foi o fato de examinadores, que tem acesso aos comandos duplos de freio e embreagem, também utilizarem o acessório (sem exigência de médico perito em sua habilitação).
Existem também as aberrações legais. Vou começar falando da baliza. Se você perguntar a qualquer pessoa, seja religiosa ou ateia, qual a origem da palavra “cristão”, acredito que todos responderão: de Cristo. E qual a origem da palavra “baliza”? Pois é. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), vem de seu Anexo II. Dentre os Dispositivos Auxiliares existe o Balizador Móvel. Seu uso no exame prático do DETRAN pode ser comprovado nas Resoluções do CONTRAN de nº 160 e nº 168.
Alguns DETRANs optam também em manter a área balizada estática, sendo que o correto seria ajustar 40% a mais do tamanho e largura do veículo. O erro disso vem da falta de análise de que quanto maior a largura ou comprimento do veículo, maior será a área da vaga (em metros), que pode receber veículo de até 3.500 Kg e 8 lugares, sem contar o condutor. Mas o erro que considero mais gritante é o de cobrar entrada e saída da vaga balizada. Esse erro é também o que causa o maior número de reprovações.

O DETRAN, COMO ÓRGÃO EXECUTIVO DE TRÂNSITO, PODE ESTABELECER REGRAS E PENALIDADES DURANTE O EXAME PRÁTICO DIFERENTES DOS ESTABELECIDOS PELO CONTRAN E O PRÓPRIO CTB?
Ao cobrar entrada e saída do veículo da área balizada, o DETRAN tem submetido os candidatos a reprovação quando eles estacionam distante do meio fio em 50 cm ou mais e quando eles não alinham ou centralizam o veículo dentro da vaga. O principal motivo da reprovação, porém, não é a distância, alinhamento ou centralização, mas sim o tempo. É comum os examinadores recusarem a saída do veículo da vaga quando não consideram o veículo bem estacionado. Isso faz com que o candidato tente corrigir o erro e acabe o tempo sem conseguir tirar o veículo da baliza. Com isso, o examinador considera que o candidato ou 'não completou todas as etapas do exame' ou 'não colocou o veículo na área balizada em três tentativas e no tempo estabelecido', que são faltas eliminatórias. Mas essa intervenção é legal? E o que dizer da exigência de tirar o veículo da baliza? Isso ainda faz parte do “estacionamento”?
Vou responder as perguntas finais do parágrafo anterior de modo resumido, mas adianto que aprofundo as explicações no meu livro APROVE DE PRIMEIRA NO DETRAN, EXAME PRÁTICO – CATEGORIA “B” nas páginas 80 a 92, com uma análise completa sobre essa etapa do exame. A Resolução nº 168, artigo 19, do CONTRAN alista uma série de 32 Faltas, ou Erros, que devem ser evitados durante o exame prático. Estacionar longe do meio fio é uma falta leve a média e o candidato acumula 1 a 2 pontos negativos. Se estacionar afastado do meio fio é uma falta do CONTRAN, o examinador que intervém, também interfere na realização do exame. O certo seria computar a falta em vez de tentar corrigi-la. O CTB e Resoluções falam sobre estacionar o veículo “paralelo à via” e limita isso à distância máxima de 49,9 cm. Mas não existe nada sobre centralizar o veículo na vaga ou sobre um dos pneus ficar mais perto ou distante do meio fio. E sobre a saída, o CTB deixa claro no parágrafo 3º do artigo 48 que inclui, por obrigação, "o abandono do condutor" do veículo e não do veículo da vaga.
UMA SOLUÇÃO EM MEIO AO CAOS
É hora do candidato à habilitação ter acesso a dados legítimos dos CFCs para que possam acertar na escolha, exigir resultados e cobrar seus direitos como consumidor. É momento de instrutores teóricos e práticos renovarem sua maneira de pensar e agir profissionalmente, assumindo seu papel de mestre e educador. É hora dos CFCs atuarem como instituições de ensino e priorizarem a qualidade em vez da quantidade. É hora dos DETRANs se posicionarem como exemplos em sua atuação e do CONTRAN atuar mais na cobrança de resultados das normas que realmente beneficiam a formação do condutor. Uma formação precária não traz apenas prejuízos financeiros e sociais, mas também perigo ao trânsito e risco à vida de inocentes. A cada dia, temos veículos que precisam de condutores seguros, responsáveis e comprometidos com a vida.
Esse é o principal fundamento do site APROVENODETRAN.COM.BR. Nas minhas considerações faço uso da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor, do próprio Código de Trânsito Brasileiro e leis complementares, Resoluções do CONTRAN e Portarias do DENATRAN. Além da consulta a órgãos e instituições como Ministério Público, PROCON e OAB. Tais órgãos e instituições também podem intervir diretamente em questões que tragam prejuízos e danos ao candidato à habilitação, que é também cidadão e consumidor. Além disso, através da Associação Piauiense de Educação no Trânsito cobraremos algum tipo de ressarcimento "por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de... serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro" - Art. 1º, § 3º, do CTB.
E aí, gostou do artigo? Então compartilha.
Você teria algo a acrescentar, corrigir ou sugerir? Dê a sua opinião!
Ricardo Borges
Fone / Whats: (86) 9 9910-2736
E-mail: ricardo_borges@hotmail.com
Redes Sociais: @ricardoapetrans
Comments